quarta-feira, 4 de junho de 2014

FUTEBOL DO SÉCULO NA CONTRAMÃO DA POLÍTICA - POR DAVID CHINAGLIA FILHO



Apesar de até o Rei Pelé ter ficha no DOPS, o Santos vivia um mundo à nos anos de chumbo.




Como um pesadelo que ainda causa medo e aflição e que não termina com o passar do tempo, o Golpe Militar completou 50 anos e ainda persiste na memória do País como um tempo da violenta ruptura da liberdade e de direitos humanos, deixando mortos, desaparecidos e torturados.
Em 1º de abril de 1964, a Ditadura Militar alterou o rumo da nação, e o futebol, principal manifestação popular e cultural do País, não foi poupado. O Regime exerceu domínio sobre o esporte, usando-o como forma de manipular boa parte da população, maquiando um cenário que, na verdade, era de sofrimento, especialmente nos calabouços da Ditadura.
Os clubes se mantiveram alheios à Ditadura que imperava no País, e não interessava  misturar o futebol com discussões políticas. Os dirigentes sempre estiveram inseridos em jogos de interesse, troca de favores e a maioria dos times dependia economicamente do governo; alguns chegaram até a apoiar o Regime.





Neste cenário de tumulto e incertezas, Santos viveu dois momentos completamente distintos. No âmbito político, a Cidade, considerada a mais comunista do Brasil, enfrentava vários problemas como desarticulação dos movimentos sindicais e perda total da autonomia política. O município ficou privado do direito de eleger seu prefeito e teve que se submeter a um interventor escolhido pelos militares. O povo sofria com a repressão a trabalhadores, sindicalistas e intelectuais.
Já em relação ao mundo do esporte, a Cidade vivia um momento de euforia. O time do Santos encantava o Planeta vindo de dois títulos mundiais seguido contra o Benfica, de Portugal, e o Milan, da Itália. A alegria do torcedor se refletia nas ruas e por todos os cantos em um enorme contraste com a situação do País.
Para o músico e jornalista Ricardo Peres, torcedor ilustre do Santos, a época foi muito difícil porque a Cidade tinha uma posição muito firme diante da política, e se sentia dividida. “Muitas pessoas estavam com medo da opressão e das represálias, mas em alguns momentos a felicidade que o time proporcionava fazia o santista esquecer da situação complicada do país. Me lembro de ir várias vezes com meu pai no centro da Cidade quando o Santos era campeão”. 
Segundo Ricardo, a Ditadura não usou o momento de glórias e conquistas daquele time para esconder o momento político conturbado. “Toda forma de diversão é um pouco alienante, e com o futebol não é diferente. O Santos viajava o mundo todo, o Militarismo poderia ter usado o time como propaganda a seu favor, porém, não me recordo do futebol do Santos ser usado como forma de alienação, concluí”.
Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe levaram o Santos a ser Bicampeão da Taça Libertadores da América em 63, bicampeão do Mundial de Clubes em 63, e em 1964, ano do início do Regime, o time foi Campeão Paulista, Campeão da Taça Roberto Gomes Pedrosa e Campeão Brasileiro.



Para o ex-jogador do ataque do século, Pepe, que atuou de 1954 a 1969 e foi o segundo maior artilheiro da história do Santos, com 405 gols, o momento da equipe era mágico e o time só se preocupava em jogar futebol. “Os jogadores percebiam a situação da Cidade e do País, ficávamos preocupados com os nossos amigos e familiares, mas o futebol era a nossa vida naquele momento; não sabíamos que estávamos construindo uma história, só queríamos jogar”.
Pepe rechaça as críticas de alienação, “até porque muitos jogadores nem sabiam o que estava acontecendo”. Segundo ele, alguns tinham maior consciência como o Gilmar e o Zito, mas não tinha o que fazer. “Nossa política era o futebol, só pensávamos em calçar as chuteiras e fazer o melhor, por isso que o Santos foi campeão de tudo. A nossa parte era levar alegria para as pessoas, era o que podíamos fazer naquele momento”.
Apesar de os atletas do Santos, na época, segundo palavras do próprio Pepe, jamais se envolverem com as questões políticas do País, mesmo assim não passaram em branco perante os órgãos de informação do Regime Militar. Segundo os arquivos do DOPS (Departamento de Ordem e Política Social), até o atleta do século teve seu nome investigado. No prontuário de Pelé os membros do DOPS relatam dois momentos do ex-jogador, provavelmente preocupados com os passos dele fora do futebol, em um deles registram que Pelé teria recebido uma solicitação de três presos políticos para que interferisse a favor de indulto junto à Presidência da República. Em outro, os arquivos registram a trajetória de Pelé fora do mundo do futebol, quando adquiriu ações de uma emissora de rádio em Santos. Veja a cópia do trecho dos arquivos nesta página.
Tese da USP- Apesar de ter ficha no DOPS, o comportamento de Pelé durante a Ditadura nunca foi considerado de oposição; pelo contrário, boa parte daqueles que lutavam contra o Regime sempre criticaram a falta de atitude do ex-atleta em relação aos desmandos dos militares.





A tese de Doutorado “Pelé, o gol contra, um discurso de poder”, defendida em 1988 na Universidade de São Paulo (USP) pelo jornalista e professor de Santos, Ouhydes Fonseca, analisava a evolução do discurso do Rei a partir das declarações que ele dava para a Imprensa.
Segundo Fonseca, o discurso de Pelé vai se alterando durante sua carreira, porém sempre se adaptando a situação do momento em que o Brasil vivia. O jornalista também aponta em sua tese um comportamento do craque não contraditório ao Regime Militar. 




                 David Pinheiro Chinaglia, é jornalista, músico profissional, é neto do Radialista Nadir Roberto, que inspirou este blog e passa a ser seu colaborador.


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